O novo pode tanto
assustar como entusiasmar. Diante do novo, alguns se sentem estimulados,
inspirados e empolgados, enquanto outros
reagem de modo ressabiado, atemorizado e intimidado. A vida dá muitas voltas e nem sempre as
mudanças são para melhor. Por isso, quando as curvas do tempo aparecem, uns
movem a direção de suas vidas com muita desconfiança e vagar, e outros dão um crédito à esperança
e encaram as curvas como oportunidades
onde descortinarão paisagens melhores.
Quando a
mudança é para um ano novo, a maioria resolve acreditar que será para melhor.
Espero que assim seja, mas é bom estar preparado. Pois algumas vezes, a vida
nos reserva surpresas desagradáveis.
A minha vida é
um exemplo disso, ela deu muitas voltas, numa delas o novo foi assustador e até
apavorante. Ele me levou através da estrada da dúvida e do medo até o deserto
do desespero, antes que chegasse o horizonte de esperança e conforto. Irei compartilhar a minha experiência com
vocês, através de um artifício retórico,
porque de fato, eu vivi quase 4 mil anos atrás.
Fui uma criada
egípcia. Uma criada naquela época era a dama de companhia das senhoras casadas.
Algumas moças quando se casavam ganhavam uma criada como presente, estas eram
consideradas parte da família (Gn 29.24,29). No meu caso, provavelmente fui um
dos presentes que o Faraó deu para Abraão, este me designou para servir sua
esposa Sara, devendo estar a disposição para servir e seguir suas instruções,
ficando dependente dela (Gn 12.16; Sl 123.2).
Esta foi a
primeira grande mudança da minha vida. Mudei de nação, de dono, de estilo de
vida, inclusive de religião e de deus. Deixei para trás minha terra no Egito,
uma morada fixa, os vários deuses egípcios e seus templos suntuosos. Passei a
ser uma peregrina, numa vida nômade, como
minha senhora e seu senhor que eram pastores de animais, vagando na Palestina,
ora num lugar, ora noutro, buscando os melhores pastos. Eles serviam a um único Deus, que afirmava ser o Deus de toda a
terra, e lhes havia feito a promessa de abençoa-los e fazer deles um grande
povo.
Minha senhora
não tinha filhos, e as leis da época permitiam que ela desse uma de suas servas
para dormir com o seu senhor, e o filho que nascesse seria legalmente
considerado dela. Seria o equivalente a um útero de aluguel nos dias de hoje. Eu
fui a escolhida. Que privilégio!
Quando
engravidei me achei! Passei a considerar minha senhora como inferior a mim,
como alguém insignificante e perdi o respeito apropriado que devia ter por ela.
Pensei que pudesse galgar algumas posições na hierarquia daquele clã e que
minha vida teria uma grande mudança, desta vez para melhor.
Mas, estava
enganada! Minha senhora queixou-se a seu senhor Abraão, e ele reforçou a
autoridade dela sobre mim e ela me oprimiu a um ponto que não aguentei e fugi. Tentei
voltar ao Egito através do deserto. Mas o Anjo do Senhor me achou junto a uma
fonte e me ordenou que voltasse e me submetesse diante de minha senhora.
Voltei e me
submeti. Tive meu filho e a vida continuou normal: eu uma serva de Sara, Abraão nosso senhor e
pai de meu filho, que então era único, sendo a esperança de meu senhor, que o
amava e o prezava como herdeiro (Gn 17.18). A vida me parecia bem garantida. Pensei
que nunca mais passaria as agruras da solidão e sofrimentos de um deserto. Por
enquanto era só esperar o dia da morte da minha senhora, ou do meu senhor,
quando meu filho herdaria tudo, incluindo a bênção que o Senhor Deus havia
prometido àquela família.
Treze anos se
passaram de segurança e tranquilidade. Então o Senhor Deus apareceu novamente
ao meu senhor Abraão e fez uma aliança com ele, neste dia, ele e meu filho
foram circuncidados como sinal desta aliança. Notei que talvez as coisas não
caminhassem bem como eu estava planejando, pois o Senhor Deus prometeu nesta
ocasião, que o herdeiro seria um filho da minha senhora Sara. Mas, como uma mulher de quase noventa anos, e
um homem de quase cem teriam um filho? Ele já não mais visitava a tenda da
minha senhora, e todos sabiam que ela não poderia mais conceber nem ele gerar. E
nesta mesma ocasião Deus disse também que meu filho seria uma grande nação,
atendendo assim ao pedido de Abraão (Gn 17).
A situação
começou a mudar de verdade no dia em que três homens nos visitaram. Meu senhor os recebeu com honras, como era
costume em nossa cultura. Depois de descansados e alimentados, um desses disse
que voltaria depois de um ano e minha senhora teria um filho. Ela riu, penso que qualquer um riria daquela palavra.
Mas o visitante falava sério, e disse que para Deus não há nada demasiadamente
difícil.
De fato minha
senhora engravidou e teve seu filho, chamado Isaque. Meu filho deixava de ser o
único e principal herdeiro, mas continuava herdeiro, já que as leis da época
não permitiam que um homem desprezasse seu filho arbitrariamente. Mas agora
todo cuidado era pouco. Para garantir tanto minha segurança como o futuro de
meu filho, teríamos que nos comportar bem e não dar motivo para que meu senhor
nos mandasse embora.
Isaque cresceu
e foi desmamado quando estava entre os dois e três anos. Houve uma festa, de
fato uma grande festa! Naquela época, era muito comum as crianças morrerem
cedo, por isso, quando uma sobrevivia até o desmame era motivo de festa. E
neste caso a razão da alegria era maior, pois era um filho há muito esperado e
que nasceu quando não havia mais esperança!
Nesta festa meu
filho cometeu uma tolice adolescente: caçoou de Isaque, fez pouco caso dele. Vi
meu pecado se repetindo na vida de meu filho. Da mesma forma que havia desprezado
minha senhora 18 anos antes, agora meu filho fazia o mesmo. Era o equivalente a
uma perseguição. Minha senhora viu e não gostou. Pediu que meu senhor nos
mandasse embora. Não queria que Ismael crescesse e fosse herdeiro juntamente
com Isaque.
Meu senhor
ficou irado com aquela atitude, pois ele gostava também de Ismael, que também
era seu filho. Desta vez Deus disse que Sara tinha razão e que Abraão deveria
nos mandar embora. Ele prometeu a Abraão que cuidaria de nós e cumpriria a
palavra de fazer de meu filho uma grande nação. O Deus que me ordenara voltar,
agora ordena a nossa despedida!
Era madrugada,
ainda escuro, quando meu senhor acordou a mim e a meu filho. Ele nos deu a
comida que podíamos carregar, e um odre, que era uma botija feita de peles de animais,
cheia de água. Colocou estas coisas nos meus ombros e nos mandou embora (Gn
21.14-21).
Eu e meu filho
tínhamos desfrutado de alimento, proteção, direção, companheirismo, enfim tudo
que um bom lar pode dar durante uns 17 anos. Mas agora, a vida que me parecia
segura e estável se desmoronava! O lugar protegido que vivíamos foi trocado por
um deserto grande e perigoso. Meu sonho de um futuro promissor para seu filho
estava prestes a se tornar um pesadelo. O futuro que me parecia garantido
evaporava-se como as sombras daquela manhã. A herança que esperava agora se
resumia a um pote de água e uma carga de alimento do tamanho que pudesse
carregar. Nada mais. A vida de meu filho estava literalmente sobre meus ombros.
Foi assim que o
novo se apresentou diante de mim. Teria uma vida nova, mas não era a vida que
eu sonhara. Teria minha liberdade, deixaria de ser serva, mas não era a
liberdade que queria. Aqueles que buscam liberdade, especialmente os jovens, devem
ser avisados que a liberdade tem seu preço, e um preço alto, de insegurança,
medo, perdas e sofrimentos. Sem Deus, não vale a pena ser livre. Sem Ele, não
há verdadeira liberdade, apenas escravidão ao medo e ao desespero.
Caminhamos
naquele deserto sozinhos, sem proteção, sem direção e sem futuro! Eu e meu
filho. Qual impacto disto em sua vida? Um dia na casa de um homem importante e
respeitado, que era seu pai, no outro sem rumo no mundo!
Decepção,
frustração, solidão, medo, desamparo, dúvidas, temores, tudo isso raiava em meu
coração a medida que o sol nascia sobre nós. Meu objetivo era chegar a Berseba,
onde havia algumas fontes. Uma caminhada de mais de 40 km, levaríamos dois dias
para chegar lá. Talvez de lá seguisse para o Egito, de onde tinha vindo. Acreditava
que lá poderia encontrar algum abrigo, algum senhor antigo ou mesmo algum
parente. Apesar do muito tempo que nos separava.
Mas o choque
daquele novo foi tão grande que me perdi, fiquei sem rumo, vagando no deserto.
Há muitas
coisas que podem nos deixar perdidos, no meu caso foi o desespero. Mas, cuidado, há outras: o engano e
a mentira, que nos fazem acreditar e lutar por bens vazios, sem valor e sem conteúdo,
como o socorro do homem (Jó 15.31; 7.3; Sl 60.11; 89.47). Os atos religiosos
que não são acompanhados de obediência também podem nos deixar sem rumo (Is
1.13; Jr 18.15). Além desses, há o
pecado, os ídolos e os falsos ensinos (Is 5.18; Os 12.11; Jn 2.8; Lm 2.14;
Ez12.24; 13.6-9; 22.28).
Nossa perdição
pode ser causada por fatores externos que nos seduzem como os vícios, a sensualidade,
o adultério e uma liderança errada , como o povo de Judá que se perdeu seguindo
o rei Manassés (Os 4.11,12; Pv 7.25; Is
3.12; 9.16; 2Rs 21.9). Mas também podemos nos perder por causa do nosso coração
duro, do auto engano, por seguir o
pecado e deixar o ensino, como aconteceu com o povo de Israel na época do
profeta Amós (Is 63.17;Jr 42.20; Pv 10.17; Am 2.4).
Para não se
perder é preciso seguir o caminho estabelecido por Deus (Is 35.8), o que eu não
fiz. Saí sem buscar a ajuda daquele Deus que já havia se revelado a mim, que me
buscara em outra situação de desespero e que me socorrera. Por isso me perdi naquela deserto.
Tudo que é
humano se acaba, minha confiança na herança de Abraão se quebrara! Agora a água
também acabara, Ismael tinha tomado o último gole há varias horas. Vagando no
deserto, perdidos e sem água, meu filho chegou a um estado que não podia mais
caminhar, estava sem forças e desidratado. Um rapaz com mais de 15 anos ficar
neste estado sinalizava uma situação desesperadora. O tesouro da minha vida, meu
filho, estava para morrer sedento! Totalmente desamparada, cheia de frustração
e agonia, eu chorava descontroladamente.
O desespero
sempre nos alcança quando confiamos apenas nos recursos humanos. Depositar as
esperanças apenas no que temos ou no que os homens podem nos dar é uma atitude enganosa
que nos decepcionará! Esperar apenas nos recursos humanos é tremendamente desesperador! Cuidado, você que confia apenas naquilo que
vê, que faz das coisas deste mundo sua segurança, que se garante por aquilo que
pode ter. O novo pode lhe roubar tudo isso, de uma hora para outra!
Entrei no túnel
do desespero e este me cegou. Sabe o que fiz? Abandonei meu filho debaixo de um
árvore, foi um abandono por causa das dor, eu não poderia ver meu filho
morrendo de sede, definhando por não ter
o que beber, pedindo o que eu não podia lhe dar. Afastei-me de meu filho uns 90 metros, o
suficiente para não vê-lo e ouvi-lo. Mas
esqueci de Alguém que está sempre perto para ver e ouvir e que já havia se revelado
a mim. Em voz alta chorei meu desespero e minha dor.
Mas eu não
tinha motivos para desespero! Pois conhecia Aquele que nos acode em nossas
aflições. Há mais de 18 anos Deus me socorrera em outra situação desesperadora,
naquela vez que, grávida, fugi de minha senhora
(Gênesis 16.6-14). Também estava no deserto, mas Deus me buscou e
me encontrou junto a um poço, e disse
que ouvira minha aflição. Naquela ocasião Deus me prometera que meu filho seria
um homem livre, forte e formaria uma
grande nação.
Eu já havia testemunhado
que Deus é tanto Aquele que nos vê em nossas aflições, como Aquele que se
revela nestas aflições. Que Ele não era um Deus que vivia distante lá no céu
sem se importar comigo, mas que me amava o suficiente para enviar Seu
mensageiro, falar comigo e se importar com minha aflição, mesmo eu sendo uma
serva rebelde e arrogante. Ele é o Deus que nos busca e nos socorre. Este aprendizado
fora tão marcante em minha vida que nomeei aquele poço de “Poço
daquele que vive e me vê” (Gn 16).
Fiquei cega
para a promessa que Deus havia me feito antes de meu filho nascer. Quão
facilmente esquecemos as promessas e socorros de Deus! Fiquei cega para o
significado do nome Ismael: “Deus ouve”,
que devia me lembrar que Deus me acudiu e ouviu minha aflição. Estava novamente
em aflição, mas não lembrei. Havia passado pela experiência onde tinha
aprendido que Deus é o Deus que se permite ver, e que também nos vê, mas esqueci isto agora. O medo e o desespero
podem nos fazer esquecer e nos cegar para Deus e Suas promessas.
Se eu tivesse
apenas lembrado de quem Deus era, do que já fizera, e do que prometera! Se
apenas tivesse pensado no significado do nome de meu filho! Mas o desespero me
cegara. Esquecer de quem Deus é, do que
já fez, de suas promessas e seus sinais não é a atitude correta diante de uma
situação difícil.
E naquele
deserto solitário de desespero, ouvi uma voz que já havia falado comigo 18 anos
antes: O que é isso Hagar? Não tenha medo.
Oras, o que é
isso? Isso é meu filho morrendo a míngua! Será que o Senhor não está vendo o
que está acontecendo como resultado de Abraão nos mandar embora? Como não ter
medo: minha vida está se acabando, meu filho está morrendo, eu estou perdida e
desamparada neste deserto. Porque não devo ter medo?
Não tive tempo
de dar voz a estas perguntas, pois a outra voz continuou: porque ouviu Deus a voz do rapaz
de onde ele está. Levanta pega o rapaz , segura-o firme na sua mão, porque dele
farei uma grande nação.
Quase não acreditei
no que estava ouvindo: Deus ouviu a voz de meu filho. Eu nem sabia que ele
estava clamando, talvez arrependido de sua tolice e de seu pecado, reconhecendo
que estávamos naquela situação por causa dele. O desespero pode nos ensinar e
nos fazer lembrar de Deus. Creio que foi isso que aconteceu com meu filho. Ele
já vira Abraão, seu pai, clamando a Deus, e agora ele também clamou e Deus o
ouviu. Naquela situação de desespero meu filho manifestou fé. O que eu havia
esquecido, meu filho lembrou! Aquilo para o qual estava cega, meu filho enxergou:
o Deus que nos vê e nos socorre. Em resposta ao clamor de meu filho, o anjo de
Deus veio do céu ao meu encontro. Ele ainda continuava sendo o Deus que escuta
os aflitos, o Deus que vê as aflições, o Deus que se revela nos momentos de
desespero e cumpre Suas promessas.
Deus é Aquele
que ouve! Deus ouve o clamor do desamparado! Deus ouve mesmo aqueles que ficam
em situação difícil por causa de suas tolices. Deus é Aquele que nos socorre em
nossas aflições e nossos desesperos! Deus cumpre suas promessas, mesmo as
situações sendo as mais desesperadoras.
Ele me
habilitou para ver uma provisão que em meu desespero eu não enxergara, e que
Ele já havia providenciado há muito tempo: um poço. O desespero me cegara para
ver aquele poço, mas ação e a palavra de Deus abriram meus olhos. O desespero
muitas vezes nos cega para as soluções, mas Deus nos ouve, e abre os nossos
olhos.
Este é o Deus
que nos socorre em nosso desespero. Não importa o que lhe aguarda no ano novo,
o que as curvas do tempo lhe trarão: lembre que os recursos humanos não são
nossas únicas fontes, lembre de quem é nosso Deus e o que Ele pode fazer, lembre
de Suas promessas e os sinais que já deixou em nossa vida. Confie e espere que
Ele te socorra e te habilite a enxergar as soluções que Ele já tem
providenciado. Esta é a atitude correta diante do novo. Estamos diante do Deus
que vive e nos vê, e nos diz: não temas.
O novo pode nos
reservar muitas surpresas e provações. Para mim e meu filho Ismael foram o medo
e desespero do deserto. Meu senhor Abraão e seu filho Isaque teriam outros
tipos de provações. Mas todos nós, independente do tipo de provação, podemos
clamar ao Deus que diz: não temas, eu ouço o clamor do perdido, do desamparado e do desesperado!
3 comentários:
Que mensagem intensa! Sou feliz em ter sido sua aluna.
Clébia
Linda Mensagem! Há momentos em que nos sentimos desamparados, porém Deus sempre está conosco para nos proteger, esquecemos disso, e nos desesperamos. A oração a comunhão com Deus, nos faz lembrar de que "Ele é o nosso refúgio, fortaleza e socorro presente na angustia".
O pecado nos faz esquecer as promessas de Deus para nossas vidas, mas Ele é fiel e cumpre o que diz, independente da nossa infidelidade. Misericórdia de mim ó Deus!!!
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